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quarta-feira, 4 de junho de 2008

PÃO E CIRCO - texto dramático

Personagens:
Zé “O Cubano” Sarabando – pugilista das palavras vermelhas, curriculum impressionante, culminando com o Prémio Babel (discutível)- o pomo da discórdia com o seguinte personagem- vai-se desvelando no percurso como o Autodidacta por definição, o exilado do Ilhéu do Canário na sua torre de marfim;

Toni “O Lobo”Atum – pugilista com vasta experiência na área das cargas psicológicas, perseguido pelas trevas dos ringues coloniais, benfiqueiro até a morte, o rebelde com causa, o exorcista das palavras, o moldador do silêncio.
O Árbitro-pinguim- cara apagada
A gente da feira das vaidades

Cenário : Uma sala de boxe, globos giratórios luminosos, barulhento formigueiro humano, painéis reluzentes, louruivas jeitosas de sobrançunhas pintadas, gajos de óculos pretos e de bigodes de tipo Dali, opulência, paredes cobertas com reproduções ao preço da chuva de Jackson Pollock, o retrato em branco e preto de Mohammed Ali, ao dar o knockout a um fulano branco, governando no tecto semelhante à “Criação de Adão” e por aí fora...

No ringue de pluche bordeado por fitas cor-de-rosa, estão a espernear dois homens vestidos de roupões vermelhos e azul,, respectivament, usando narizes de palhaço e luvas coloridas. Uma louruiva desviante desfila à toa nas suas sandálias-plataformas-fosforescentes e apregoa a confrontação do milénio (vozes guinchantes, desmaios, bocejos, miúdas que se pisam exaltadas, Ó mocinha isso não é uma performance de Michael Jackson, falta-te um parafuso! Eh, pá, vai ver se estou lá fora! No centro, o árbitro-pinguim fica arrepiado de medo. De repente murmura no microfone: Que começe a luta!
(histéria electrizante, caras deformadas, suor, lágrimas, que se veja vanity fair)

Zé “O Cubano”: Viva, Toni! Tudo bem?
Toni “O Lobo” (com voz de cordeiro, não de lobo): Tudo! (à parte): Raios partam os vermelhos.
Zé (falando em ar de desafio): Corre o boato que ‘tás cheio de inveja de não ter sido a Vossa Excelência galardoado com o Babel! Eh, pá, isso acontece, assim é a vida! Tens de concordar comigo que isso faz a diferença entre os melhores e os outros!
Toni (começa a irritar-se com as flechas ofensivas, mas aguenta): Achas?! Olha, a minha cena agora é outra. Os fantasmas da guerra já deixaram de me assombrar. Ainda mantenho um trunfo na manga, quer dizer, na luva. Queres ver, ó seu artola?

(Os dois afrontam-se, com os punhos levantados como se invocassem em conjunto a sua divinidade, abraçam-se ñuma tensão esmagadora, o público está em êxtase)

O Árbitro-pinguim: Senhoras e senhores, agora é o momento de fazer as apostas. Será que Zé “O Cubano” vai vencer de novo e receber o Prémio-dos-Prémios ou se calhar Toni “O Lobo” vai pagar na mesma moeda e lavar a sua honra?! Apostem e não se vão arrepender!

(A falar às pressas, precipitado, a cuspir de vez em quando, com a cara a se lhe congestionar, dum modo curioso): Mas o que é que os meus olhos ‘tão a ver?! Incrível minhas damas, meus monsieurs, mocinhas bonitíssimas, velhotas charmosas, meus putos, Ai! Espectáculo (grasna)...ai ‘tou a morrer...ai campos verdes de cor de limão, ai olhos do meu coração.
Zé: Cala-te, calhau! (dá-lhe um golpe frontal e saca-o do ringue). Que tal, caro Toni, ainda ‘tás a pensar que me podes derrotar? Essas crónicas tuas da Visão, que maçadores aparas, aqueles milhares de páginas de tolices dos teus livros gordos...Talvez queiras reescrever os Evangelhos...?!
Toni: Não me arrelio tão facilmente contigo, ó pobre inútil. Existem muitos pugilistas que são propagandistas de si mesmos! Anda lá para o teu ilhéu e prega aos peixes!
Zé: Porque é que te ofendes assim? No fim de contas, se mesmo quiser reinventar a Bíblia, já tou aqui, presto-te a minha ajuda valiosa, podes começar assim: “O filho de José e Maria nasceu como todos os filhos dos homens, sujo do sangue de sua mãe, viscoso das suas mucosidades e sofrendo em silêncio”, mas claro, não antes de me pedir os direitos autorais. (dá uma gargalhada).
Toni: Muito original! Parabéns! O meu nome é legião. Portanto, vai à merda e leva o Babel contigo!
Zé: Vai tu duas vezes ou até mais!
Toni: Agora tou a enfurecer-me. Dou-te uma bofetada. Cais na terra cheio de raiva. (ao público).

Ladies and gentlemen, the show must go on! And the winner is...
(e, num momento de descuido, o Zé levanta-se triunfante, tira um revólver do bolso, aponta-o à cabeça do pobre convencido, aperta o gatilho... a multidão solta gritos de frenesim, o árbitro também se levanta, quer intervir para ter a certeza de que as regras são cumpridas com rigor, mas os tomates e os ovos estragados tombam para si, o Toni vira às costas à sua audiência, vê o revólver, revê toda a sua vida numa fracção de segundo, os soldados caídos à sua volta, as filhas sorridentes, os doentes)

Zé: Eh, pá, um cravo em vez da bala! Foda-se! Tamos por acaso a jogar roleta russa e eu não sabia?
Toni: Não te encolerize, (diz-lhe em voz baixa): Vamos dar ao povo o que ele tanto deseja. Espanca-me!
Zé puxa o nariz vermelho do Toni, depois solta-o, o que faz com que Toni caia.
O árbitro está a contar: dez, nove, o público que me acompanhe, oito, todos num ritmo staccato, sete, Zé está a chorar arrependido, Toni não consegue levantar-se, a guerra nunca acabou lá onde a terra se acaba e o mar começa, Zé ajoelha ao lado de Toni, o Lobo e o Cubano surpreendem a multidão atrapalhada...

Tudo pára a 1. Subitamente, ouve-se dum canto: “Why-can’t-we-be-friends-why can’t-we-be-friends-why-can’t-we...”

Todos se levantam e cantam, o árbitro coberto por contusões e sementes de tomate assume o papel de mestre de cerimónias:
Árbitro: E agora, toda a gente, mãos para cima, andem cá, Toni, Zé...vamos todos: “Why-can’t-we-be-friends-why-can’t-we-be-friends-why-can’t-we...”
Toni e Zé: Vai-te lixar, pá! (espancam-no, o público continua a cantar).

Tudo isto é fado...
Cortina

Teodora Chita, 2ºano

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