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sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Começar e não Descansar (de Saramago)

"Antes eu dizia: 'Escrevo porque não quero morrer' Mas agora mudei.
Escrevo para compreender o que é um ser humano." (José Saramago)

Disseram-se e escreveram-se tantas coisas sobre Saramago, elogiaram-no e colocaram-no num pedestal ou rejeitaram-no; ele próprio deu à luz a um amontoado de controvérsias e, ao mesmo tempo, surpreendeu tanto os seus leitores, como os críticos com a sua prolificidade e perseverença em manter a sua integridade artística.

No início, o que me levou a lê-lo foi esse misto de polémica, renome e ar pós-modernista (rótulo embora recusado pelo artista). Logo que abri “Ensaio sobre a Cegueira”, começando com os primeiros parágrafos, fiquei enfeitiçada e soube nesse instante que Saramago seria um dos meus escritores preferidos.

A crise de identidade, a multiplicidade de eu’s, o amor, a sociedade, o mundo, o ser humano vistos por uma lupa oscilante que ora aumenta ora minimiza, por uma maneira (tão diferente da anterior pecularidade artística portuguesa) de decompor e divulgar (aparentemente) a complexidade psíquica e espiritual das suas personagens…tudo isto me enche com uma nova experiência literária, um desafio total ao qual não posso resistir…

A desconstrução da identidade, as relações inter-humanas desnaturadas, supérfluas, os contextos históricos bem marcados, tudo isto faz com que as suas escritas se tornem um espelho onde me posso mirar, interrogar, reflectir sobre o meu papel no mundo, aprender a lidar com as inquietações identitárias, com a realidade contundente.

Por outro lado, o protesto saramaguiano, às vezes subtil através da ironia, do paradoxo, mas predominantemente óbvio (através, por exemplo, da escassez de sinais de pontuação como uma reaccão à suposta perfeição do mundo), emergiu vigorosamente na minha visão de leitor como mais um estímulo para meditar sobre o facto de vivermos, sem dúvida, num mundo em que pouco ou nada são rosas, em que, como o próprio escritor confessou, “perdemos o sentido do protesto, o sentido crítico, parece que vivemos no melhor dos mundos possíveis”.

No que concerne a “O Ano da Morte de Ricardo Reis”, este romance influenciou significativamente a minha visão sobre a alteridade e a individualidade, a humanidade e as suas crises, os traumas do passado e os do presente, a passividade e o dinamismo e as contrariedades esmagadoras que nos rodeiam. Embora há quem diga que se trata só de uma ficção sobre a ficção, de uma tirada ilusória, no meu entender, Saramago desvenda aos olhos (de quem quer verdadeiramente ver) a realidade projectada na ficcionalidade, sem “enfeitinhos” redundantes, porém conservando a mensagem de que devemos, de uma forma ou outra, agir, pensar, não ensimesmar, mas exibir as forças dos nosso “múltiplos eu’s” capazes de mudar efectivamente o mundo, pelo menos aquele que nos rodeia.

Perguntei-me várias vezes quem aproveita mais das escritas de Saramago: talvez seja ele mesmo – por conseguir, através dos seus romances, acercar-se do conhecimento em profundidade do ser humano, ou eu, o leitor – por beneficiar da oportunidade de ampliar a minha perspectiva e consciência sobre o mundo em que vivo, sobre as mudanças que ocorrem por dentro e por fora de mim…

Teodora Chiţă, 2º Ano

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